quarta-feira, 14 de setembro de 2005

Flutuações

Desde que despertei que não consigo ignorar os meus pés. Observo, perscrutante, cada torção, preensão, e cada leve movimento de busca de conforto. Não cesso de estar surpreendido com o facto de serem os meus pés, de serem as minhas veias aquelas, e aquelas as minhas pilosidades. No entanto, continua a ser normal caminhar por passos, passos que observo cá das minhas alturas, alturas pouco celestes porque afinal estavam longe do que me liga à terra.

Cá em cima, olho com curiosidade para as pessoas e tenho vontade de as ouvir e saber como pensam e sentem o que eu também não percebo, que é muito. Que chega a ser tudo. Quanto mais me preenche esta avidez, menos sinto as pessoas em meu redor, e menos estou a sentir os meus pés. Consigo adivinhar que se me estão ligados pelas pernas, ancas, tronco. . .Tento assim percorrer-me e só encontro estupefacção, em vez de mim mesmo. É suposto estar no controlo desta esferográfica e serem minhas estas palavras, mas elas não são minhas e muito menos são para alguém. Vou assim, desprovido do domínio sobre a minha existência, tentar fazer com que as pessoas que amo o saibam e me conheçam, antes que me aperceba, olhando para baixo, que os meus pés estão tão pequenos, inacessíveis e automáticos, que não seja eu que existo, mas sim a imagem que de mim forem moldando, sem meu consentimento, e que já só convivo com os deuses.

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