sexta-feira, 25 de novembro de 2005

Apartar

Às vezes tenho de ir beber onde sei que é sagrado. Às vezes esqueço-me do que me é sagrado. Umas vezes esqueço-me das minhas motivações, talvez um prazer macabro do meu inconsciente para me fazer persegui-las e sentir alívio de as encontrar, perceber. Mas mais vezes esqueço-me de que os desígnios da humanidade não coincidem particularmente com os meus, e então parece que me deslocam a alma, perco o sentido. Depois disso – por vezes tão depois que nunca chega a ser – têm lugar as vezes em que sinto verdadeiramente os meus intentos, me sinto absolutamente honesto, e então toda a humanidade se transforma nesses intentos, nesses sonhos e ideais. Absurdamente, nessas alturas, torna-se evidente que o que as pessoas precisam, imploram, é uma verdade construída, imediata, forte, decisiva e reconfortante. Mais ou menos reconfortante, às vezes não confortável. Que tenha sido feita para elas. E nesses momentos, volto ao início do meu ciclo.

Não há partes desta linha vital que sejam desprezáveis, mas porque é que de todas as vezes me esqueço de como se adormece?



-» . . .tirar o peso do corpo, enfiá-lo no espírito, acordou o espírito, embalou o peso, pesou na cabeça. A cabeça vira o corpo, arrastou o corpo o peso para um dos lados, em cima do corpo desse lado. O outro lado tem pena, chama o espírito. O espírito desenterra o lado de baixo do corpo e viram-se ambos para nenhures. Não sabendo onde está, o corpo chama o espírito, mais de metade adormecido, e clama por companhia. O espírito não quer acompanhar, quer ser acompanhado, busca um sonho. Mas o corpo não dormiu, o sonho é lembrança, e a lembrança é um dever. Este dever pesa, pesa mais. Pesa de maneira a ancorar o corpo à base, e a compactar o espírito, reduzindo-o a uma palavra, com sorte a uma expressão facial. Dever, corpo e espírito, enleados, estão imóveis. Mas o corpo tem calor, o espírito frio. O dever aquece e esquece o corpo, os olhos abrem. O tecto está perto, nem estava lá há pouco. O dever cobra, corta, cobra. O corpo arreliou-se, prometeu-se fugir. O dever tem pena, levanta o corpo, jogos de sombra e jogos de corpo, de volta ao lençol. As pálpebras comprimem, a cabeça pesa de novo, o espírito pergunta porquê. Pede ao corpo que acorde os sentidos à vez para vigiar o desassossego. O corpo inspira, expira, respira, inspira, expira, respira, o espírito transpira. O dever chama, e desfigura-se e parece sonho. O espírito sonhou, o corpo assentiu. Assentou. Espírito, corpo e máscara de sonho ficaram dormentes de lutar.

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