Vida rasteira (parte I)
Defronte da igreja, na rua atarefada, morava Josué. Por muitos anos não fazia assento noutro lado que não aquele, o Josué, e a sua ligação ao resto do mundo era um boné que equilibrava no chão virado para cima, lugar para qualquer amostra de esmola que lhe quisessem facilitar. Por conseguinte, por lógica e por comodidade, Josué era chamado pelos que o estavam habituados a conhecer por ali de Josué, o do boné, ou mais usualmente apenas por Boné. Andrajoso, maltrapilho como os que nada têm nesta vida, o Boné fiava-se mais no alheamento deste mundo do que na sorte da esmola, e gostava de adormecer sonhando-se noutras cidades, que imaginava belas porque belos lhe soavam seus nomes, mesmo ciente de que essa sorna lhe valia na maioria das vezes o desaparecimento das moedas que tivesse à vista no seu boné companheiro, sempre moedas pouco cintilantes, o que era forma pouco cintilante de ganhar a vida mais rápido que a vida de uma gafulha se tornava em forma de perdê-la. O boné, esse, nunca o levaram. Sabiam talvez que mais oportunidades surgiriam brevemente de furto, e assim sendo não queriam dificultar a vida ao Boné; eram quase os seus melhores amigos, estes fiéis larápios, tendo em conta que de amigos pouco tinha nesta vida, quem sabe se nenhum mesmo.
Um dia houve em que, abrindo os olhos, Josué do boné avistou abeirando-se do seu ganha-pão um animalzinho muito pequeno, um jovem cão farejando o conteúdo do chapéu. Normalmente, e já que esta não era grande ameaça ao mealheiro do mendigo, teria ficado indiferente. Mas, movido por uma súbita curiosidade, foi ter com o bicho, sacudiu a barba farta com as costas das mãos, aguardou uns momentos olhando o bicho do alto e finalmente agarrou-o. Subiu uns degraus da igreja, e depositou-o junto à porta achando que alguém lhe iria achar piada e levar. Isto sabia ele do mundo, o pequeno cão, apesar de abandonado, era amoroso, o que a juntar ao pouco tamanho suscitava na alma humana comiseração imediata. Já ele, começando na barba, terminando nos pés pouco calçados, nada tinha de pequeno ou amoroso, e essa era quase sempre a diferença entre vinte cêntimos e nada.
Perdido nestas conjecturas de desiludido da vida, Boné perdeu o espetáculo de esforço aparatoso do cachorro que, o mais rápido que pôde, sôfrego tornou para junto do boné. Lá se deitou. Boné encolheu os ombros, coçou a nuca, e tomou também o seu posto, deitado de lado perto do boné, e da nova presença que rapidamente esqueceu que era estranha. Isto porque rapidamente adormeceu.
Um dia houve em que, abrindo os olhos, Josué do boné avistou abeirando-se do seu ganha-pão um animalzinho muito pequeno, um jovem cão farejando o conteúdo do chapéu. Normalmente, e já que esta não era grande ameaça ao mealheiro do mendigo, teria ficado indiferente. Mas, movido por uma súbita curiosidade, foi ter com o bicho, sacudiu a barba farta com as costas das mãos, aguardou uns momentos olhando o bicho do alto e finalmente agarrou-o. Subiu uns degraus da igreja, e depositou-o junto à porta achando que alguém lhe iria achar piada e levar. Isto sabia ele do mundo, o pequeno cão, apesar de abandonado, era amoroso, o que a juntar ao pouco tamanho suscitava na alma humana comiseração imediata. Já ele, começando na barba, terminando nos pés pouco calçados, nada tinha de pequeno ou amoroso, e essa era quase sempre a diferença entre vinte cêntimos e nada.
Perdido nestas conjecturas de desiludido da vida, Boné perdeu o espetáculo de esforço aparatoso do cachorro que, o mais rápido que pôde, sôfrego tornou para junto do boné. Lá se deitou. Boné encolheu os ombros, coçou a nuca, e tomou também o seu posto, deitado de lado perto do boné, e da nova presença que rapidamente esqueceu que era estranha. Isto porque rapidamente adormeceu.
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