Ida e volta
Estava um solitário no comboio mais vazio da noite para os subúrbios. O seu pensamento misturava a simplicidade dos seus constrangimentos com a complexidade das luzes intermitentes que vão alumiando aos retalhos a solidão. Essas vão criando um ruído enorme nas ideias do homem que, de pasta de negócios no assento do lado, e cansaço em riste, sente-se deixar de funcionar nos instantes de falha de luz. O balanço da carruagem parece-lhe uma força que quase o arranca do eixo, mas é à medida que o comboio oscila que o seu empenho se renova. Entrou um homem, um par de décadas mais novo, numa estação em que fizeram paragem. Tomou o lugar imediatamente atrás do original passageiro.
- A pasta.
- Eu não iria tão longe, se fosse a ti.
- Está a ver a pistola? Então está a ver quem manda, e eu mando a pasta.
- Mas tenho um bom relógio que estou disposto a dar-te, estou até farto dele.
- Vá, que eu só preciso de puxar este gatilho.
- Mas estás a falar desta mala? Contém algo pelo qual estou disposto a dar a vida. Seria bom que fosses ajuizado e aceitasses o que te ofereço.
- Mas o que se passa? Ainda acredita em heróis?
- Hoje, não vais conseguir provar que não existem.
- Vai-me fazer atirar para a pasta? E se eu atirar nela?
- Tanto pior para ti. Parece que não percebes o que aqui se passa.
- Nada mais que eu tirar o que é seu, e o senhor ter pela primeira vez razão de lamúrias enquanto regressa a casa.
- Pois então vejo-me na necessidade de explicar. Tu tens remorsos, vives de remorsos, e esses remorsos vivem de ti. Assim que chegas a um local e estacas, eles rodeiam-te, não dás um passo sem lhes pedir licença, pensas que és uma pessoa melhor quando os pontapeias, te desvias e falas com alguém dizendo coisas agradáveis, quando és afectuoso, sentindo falares do fundo do teu ser. Mas tu és eles tanto quanto eles são tu, e tu sabes isso no que é verdadeiramente honesto de ti. E aqui estás agora, perante mim, um homem mais velho e indefeso, cansado e desesperado por que não lhe façam mal, e estás a tentar criar o teu remorso, um que tu controles e comandes e ponhas a dormir à porta de casa. Mas eu ajudo-te. Vou até facilitar-te as coisas e dou-te o que de precioso tenho na mala, a pasta de que tanto gostas.
Abriu o homem a pasta e do seu interior insuspeitamente tirou um revólver por estrear, o qual já não iria servir o propósito do seu próprio suicídio. Atirou na fronte do rapaz e deixou-o sem vida no comboio. A estação que se seguiu era a sua. Saiu levando o revólver e o seu próprio remorso. A sua vida fora resgatada num último momento. A culpa? Essa, ele aprendeu que pode ficar à porta da rua.
- A pasta.
- Eu não iria tão longe, se fosse a ti.
- Está a ver a pistola? Então está a ver quem manda, e eu mando a pasta.
- Mas tenho um bom relógio que estou disposto a dar-te, estou até farto dele.
- Vá, que eu só preciso de puxar este gatilho.
- Mas estás a falar desta mala? Contém algo pelo qual estou disposto a dar a vida. Seria bom que fosses ajuizado e aceitasses o que te ofereço.
- Mas o que se passa? Ainda acredita em heróis?
- Hoje, não vais conseguir provar que não existem.
- Vai-me fazer atirar para a pasta? E se eu atirar nela?
- Tanto pior para ti. Parece que não percebes o que aqui se passa.
- Nada mais que eu tirar o que é seu, e o senhor ter pela primeira vez razão de lamúrias enquanto regressa a casa.
- Pois então vejo-me na necessidade de explicar. Tu tens remorsos, vives de remorsos, e esses remorsos vivem de ti. Assim que chegas a um local e estacas, eles rodeiam-te, não dás um passo sem lhes pedir licença, pensas que és uma pessoa melhor quando os pontapeias, te desvias e falas com alguém dizendo coisas agradáveis, quando és afectuoso, sentindo falares do fundo do teu ser. Mas tu és eles tanto quanto eles são tu, e tu sabes isso no que é verdadeiramente honesto de ti. E aqui estás agora, perante mim, um homem mais velho e indefeso, cansado e desesperado por que não lhe façam mal, e estás a tentar criar o teu remorso, um que tu controles e comandes e ponhas a dormir à porta de casa. Mas eu ajudo-te. Vou até facilitar-te as coisas e dou-te o que de precioso tenho na mala, a pasta de que tanto gostas.
Abriu o homem a pasta e do seu interior insuspeitamente tirou um revólver por estrear, o qual já não iria servir o propósito do seu próprio suicídio. Atirou na fronte do rapaz e deixou-o sem vida no comboio. A estação que se seguiu era a sua. Saiu levando o revólver e o seu próprio remorso. A sua vida fora resgatada num último momento. A culpa? Essa, ele aprendeu que pode ficar à porta da rua.
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