segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Novidade (parte I)

Paro, olhando em todo o meu redor e sinto-me de imediato desconfortável. Subitamente sei o que me falta, embora o desconheça. Em cada passo, em cada olhar, em cada rua sei o que vou encontrar, sei o que fazer para o encontrar ou evitar, sei com exactidão todas as possibilidades desta realidade na qual me sinto agora como peixe em água suja. Para onde quer que corte nesta cidade, por mais que vasculhe as suas entranhas, desamparo-me em estar tão amparado, e a situação torna-se violenta.
Está frio porque é outono, e a natureza morre da maneira que eu conheço. Quinze anos desta cidade que se transformou horrivelmente em algo semelhante a mim, sem que eu o previsse. É forçoso que encontre um lugar novo, onde chova e eu não me saiba abrigar; onde os odores não me façam recordar nada. Preciso fisicamente desse ar estrangeiro a correr-me nas artérias. Deixo-me guiar pelos instintos, que não sei se conservei intactos ou se civilizei por completo, e entro na cidade, mais um pouco, deixando na consciência apenas a esperança aflita de um lugar tão estranho e escuro que me faça sorrir.
Encontro e sento-me. Aqui parece-me bem, tento até desconfiar mas já não consigo. Não me lembrava da sensação de não saber o que está para além das esquinas. E é boa. Neste lugar, que mais se assemelha a um bosque pavimentado e esquecido, nenhuma sequência de pensamentos que eu conheça faz sentido, e assim posso gozar cada um deles por si. Não há nos arredores ninguém que saiba menos do que eu e sou o aluno eterno. Quanto às outras pessoas, vagueiam com o impulso oculto, até deles, de ver algo ou alguém novo acontecer por aqui. Para uma delas, o alguém novo fui eu.

Não sei bem porque me abordaste, nem se vinhas decidada a perguntar o que perguntaste. Nem tão pouco me lembro já bem de como te saudei, ou sequer se o fiz. Andava tão introspectivo que por vezes não dava por me falhar uma resposta, até às coisas mais simples do quotidiano.
Mas puseste-me o pensamento a mil. Se eu sabia onde ficava a igreja de Sant’Ana? Sabia pois, como ninguém. E os nomes das três ruas que lá se cruzam.

- . . .Mas daqui não estou a ver bem. . .Penso. . .

Fizeste-me desesperar. Não estava prevenido, estava protegido na minha pequena e rara bolha de desconhecido quando me questionaste acerca do mundo real. O mundo que, vistas bem as coisas, faz todo o sentido, há um trajecto a procurar, há um caminho a percorrer, fizeste-me desesperar, percorrer todos os cantos do maldito bosque urbano, pelo canto dos olhos, buscando uma saída. Só não queria que me deixasses, então.

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