sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Quem é que atirou o pau ao gato?

Atirei o pau ao gato
Mas o gato não morreu
Dona Chica assustou-se
Com o Berro
Com o Berro
Que o gato deu,
Miau!

Sentadinha à chaminé
Veio uma pulga
Mordeu-lhe o pé
Ou ela chora
Ou ela grita
Ou vai-te embora
Pulga maldita

Depois de gerações e gerações ouvirem esta música que é cantada pelos pais, avós e professores digamos que o seu conteúdo acaba por passar para segundo plano face à forma como é dito. A animação e alegria com que este tema musical para a infância é cantado e ensinado ludibria o real sarcasmo e macabra ideia que a letra da música quer passar. E depois não queremos que os miúdos sejam violentos, fazemo-los cantar todos contentes um tema cujo inicio começa por dizer que eles atiraram o pau ao gato mas o gato não morreu… isto daria um sketch de humor negro! Aliás está tão interiorizada a música que eu só me apercebi da real mensagem quando, já longe dos tempos de infância, a cantei, certo dia, em tom de brincadeira. Poderia eu estar traumatizada! Penso que este é um bom assunto para ser levado aos psicólogos e a todos os especialistas em educação e saúde infantil. Dar um estalo a uma criança que se porta mal não é correcto, mas ensinar-lhe que atirar o pau a um gato e que ainda por cima ele não morreu é um tema divertido e didáctico, faz as delícias de todos nós. Eu tenho pena é da Dona Chica que coitada tem de aturar os miúdos a massacrarem-lhe o gato, e claro do gato!
Em relação à segunda estrofe da canção acho-a simplesmente absurda pois não tem nenhuma ligação lógica à primeira. A conclusão que eu tiro desta música tão popular é que deveras é uma ode ao massacre dos animais. A pulga é maldita e o gato não morreu, que grande maçada! Podia criar-se um jogo para a playstation baseado nesta canção, as personagens estão definidas e o conflito está lançado agora é só somar pontos.
Não pretendo de todo ser moralista com esta análise que fiz, muito me divertiu chegar subitamente as estas conclusões acerca desta música. A subversão das coisas tem sempre um lado muito cómico, a meu ver.
Deixo aqui uma alternativa aos dois primeiros versos da música e desafio todos os leitores à pequena brincadeira de terminarem a estrofe ou até de criarem um tema novo com base neste. Vamos a isso! Criatividade e divertimento é que é preciso.

Atirei o pão ao gato
Mas o gato não comeu
Dona Chica …

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Upanishad

Numa terra longe daqui, tão distante quanto o tempo consegue afastar as coisas humanas, sabe-se que numa grande cidade onde existiam nobres, mercadores, mestres, artistas, pastores, homens-livres, e muitos escravos, existia um homem em particular que agonizava por ter perdido toda a sua grande riqueza e ter sido ostracizado pelo povo.

Vagueando, na sua nova e simples condição, sem qualquer propósito pelos montes que rodeavam a cidade, notou a aproximação de uma figura de um velho sábio, vestido de forma despojada, e parecendo encontrar-se viajando há muito tempo. Reconhecendo a sua sabedoria, saudou respeitosamente.

- Sábio peregrino, sejas bem-vindo a estas terras. Vejo que vens de longe. Lamento já não pertencer a esta comunidade e não ter nela já casa, e desta forma não poder receber-te com a devida hospitalidade.

- Não necessitarei, companheiro, de mais do que a gentileza das tuas palavras para me sentir bem acolhido.

- Vendo-me nesta triste situação de me encontrar sozinho no mundo, gostaria de te colocar uma pergunta se me permitires, antes de prosseguires o teu caminho, porque vejo que também habitas a solidão e reparo pela tua expressão que a tua sabedoria é grande e poderá servir-me de auxílio.

- Bom-homem, receio bem que te desiludas se pensares estar na presença de alguém capaz de te ajudar com algum dilema. No entanto, apesar de pouco mais trazer que a roupa e a boa vontade, teria prazer em escutar a tua pergunta para descobrir se posso de algum modo te servir, em recompensa pela tua hospitalidade.

- Escuta então, sábio, e diz-me: Os deuses que habitam os céus e tudo vêem e controlam, serão eles bons? Necessito de o saber, para perceber se tudo aquilo que me tiraram, noutra altura e sob outra forma irão restituir.

- Seria para mim excelente ajudar-te na tua ânsia, mas não sou mais que um ignorante no que toca a assuntos celestes. Porém, permite-me tu que te faça uma pergunta infinitamente mais simples que essa, percebendo tu do mundo dos homens, e a partir daí espero que possamos concluir algo que te ajude.

- Pergunta!

- Crês tu que os homens são bons por natureza?

- Creio de facto que tendem a ser injustos e maus, dada a oportunidade.

- Vejo que dizes isso guiado pela tua condição. Porém, se vês um mendigo a quem dão um pedaço de pão, e que a esse mendigo alimentam todos os dias sem terem obrigação de o fazer, já poderia dizer-se que existem pessoas boas?

- Perguntas mais do que eu sei. Mas parece-me então que existem boas e más acções, e que elas podem pertencer à mesma pessoa.

- E saberás facilmente distinguir uma boa de uma má acção?

- É natural que sim.

- Qual é a diferença?

- Uma boa acção é aquela que resulta no proveito de alguém.

- E que dirias se essa acção prejudicasse, em simultâneo outra pessoa?

- Não te sei responder mais uma vez, sábio. Não sei então caracterizar essas acções. Mas existem por detrás de algumas acções, intenções que são exclusivamente boas.

- E essas intenções, transformam alguém numa boa pessoa?

- Parece-me que alguém que só tem boas intenções é uma boa pessoa, falando na generalidade.

- Diz-me, já estiveste na presença de alguém enfermo, ou de algum modo necessitado, e desejaste fazer algo para o livrar da enfermidade ou necessidade, ainda assim nada fazendo?

- Já me aconteceu.

- Poderia dizer-se que alguém que procedesse assim durante toda a vida, pensando e não fazendo, é uma boa pessoa, por ter bons pensamentos?

- Não, na verdade não.

- Então já percebes que a bondade pode ser louvável aos nossos olhos, mas é igualmente fugidia se tentamos segui-la até ao seu âmago. De cada vez que questionares uma boa acção, podes bem descobrir que seja má, e isso apenas significará que estás perto de perceber o equilíbrio do universo.

- Mas então não falemos em bondade, podes contar-me alguma verdade, algo que seja absoluto, e que de alguma forma me console nesta desgraça que sobre mim abateu?

- Nada me faria rejubilar mais agora que contar-te algo que fosse, sem dúvida, verdadeiro e belo. Mas, quer a verdade, quer a beleza, são miragens que perseguimos que, como numa miragem, se a alcançamos provavelmente significará que enlouquecemos à vista de todos os outros.

- Estás a dizer que a verdade e a beleza não existem?

- Longe de mim afirmar algo tão ousado. Mas diz-me: tinhas mulher, quando vivias com os homens?

- Sim.

- E era bela, ela?

- Sim.

- E a qualquer homem do povo que se perguntasse isso acerca dela, diria o mesmo?

- É possível que não. Tens razão, meu sábio benfeitor, a beleza é tão volátil quanto o foi a minha riqueza. Mas acerca da verdade, não tens razão. Há coisas que não dependem do espírito humano e são verdade, sem dúvida. Quando era mercador enriqueci utilizando a matemática, que nunca me falhou. Nunca dois e dois deixaram de somar quatro, e esse conhecimento elevou-me acima dos outros. Só pode ser, por isso, verdade.

- Não desejo contrariar-te, do fundo do meu coração, meu amigo. Ainda assim, ficaria surpreendido que alguma ideia humana me pudessem apresentar que fosse sem dúvida verdade. Aguardo esse dia em que ficarei absolutamente feliz. Mas, infelizmente, parece-me que a matemática pode não conter em si verdades absolutas.

- Como? Explica-te, por favor.

- Concordas se eu disser que o Universo foi criado pelos deuses, sendo que criaram tudo em simultâneo, e que para eles foi como criar uma nova unidade?

- Absolutamente.

- No entanto, basta observarmos à nossa volta e vemos milhares e milhares de realidades diferentes, milhares de animais, plantas e pessoas. Serão todas parte da mesma unidade. E vê como, falaciosamente, a unidade tende para o infinito.

- Terríveis afirmações que fazes neste momento, velho sábio. Terei de viver então o resto dos meus miseráveis dias sem saber se posso contar com a bondade dos deuses, nem com a dos homens. Será um caminho que não sei ainda como saberei suportar. Se não me consegues dizer alguma verdade auxiliadora, pelo menos um conselho me poderás dar?

- Isso, antes de seguir o meu caminho, talvez o possa fazer. Continua vivendo, mas sê bom, sê mau, observa a beleza e também aquilo que considerares feio. Observa o teu interior enquanto por fora estiveres feliz, e também enquanto derramas lágrimas de aflição ou inveja. Seguramente lá encontrarás mais do que a tua verdade, quando deixares de ser várias pessoas, um mercador rico ou um pobre renegado, para seres tu mesmo.

O antigo mercador desistiu de entender o homem, e na sua alma sentiu que ele era louco. Virou então as costas e seguiu o seu caminho errante, olhando o chão sem saber por onde ir. O velho peregrino continuou andando por onde ia, de cabeça erguida, com um sorriso nos lábios quase imperceptível, leve, como que estando lá apenas porque os lábios, eles mesmos, se sentissem bem, e o seu portador disto estivesse alheado.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Prémio Relíquia da Internet



O blog Desassossego dos sentidos agradece o "Prémio Relíquia da Internet", oferecido por http://cabrabranca.blogspot.com/

sábado, 2 de janeiro de 2010

Das 23:59H para as 00:00H

De todos os anos, por todos os anos e em todos os anos…
É estranho ser uma passagem de tempo rápida, em horas, minutos e segundos que amplie um momento.
Afinal as horas fartam-se de passar e os dias de se virarem noutros dias, de dia e de noite, à chuva e ao sol. Mas naquele momento, das 23:59H para as 00:00H, tudo parece estar em suspenso; a respiração, a mente, o corpo, ouvem-se os fervilhantes desejos a brotarem do inesperado. É tudo uma questão de importância e empenho no simbólico. Anseia-se, chora-se, ri-se, promete-se, acaricia-se num segundo, com um gole de espumante e 12 passas. É como se o filme das nossas vidas passasse num segundo, como se fossemos tomados por um ataque súbito de pânico ou alegria. Estamos ali, nós, os outros, o mundo, os votos de que tudo seja melhor, o jogo mental das vontades, os impulsos das acções… que significa tudo isto afinal?
É uma festa, é um recolhimento, é o perder a cabeça, o meditar, o jogar num suspiro um minuto para trás pensando-se que é um ano, muitos anos, uma vida…?!
Um súbito silêncio fica e às 00:01H do dia primeiro de Janeiro dos anos seguintes sem fim somos milhares de milhões de seres que povoam o cosmos com vontade e exaltação.
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