Vida rasteira (parte II)
Sempre que despertava, Josué Boné via a vida rasante ao chão. Estava habituado a apreciar as beatas, os papéis-guardanapos desperdiçados, as latas, o rebuliço das pernas das pessoas sempre se apressando, obliquamente notava todo este mundo rasteiro, acordava virado para o chão.
Porém, das vezes seguintes em que se preparava para encarar e deuxar passar novo dia, além de uma imensidão de calçada suja e povoada de pés de pessoas, reparou que estava sempre acompanhado pela criatura dócil, calma, o cachorro que de dia para dia crescia nem ele sabia como, se nem para ele próprio arranjava o suficiente que comer, como estaria aquele cão, de pelo negro, fosco, cão de rua, com um aspecto tão saudável? O certo é que velozmente o cão ia atingindo um bom tamanho, e o seu poiso predilecto, onde estava constantemente deitado, era ao lado do boné do Boné. Tanto assim era que Boné já quase não ia ao boné retirar a grande parte que houvesse da sua conta - que não era bancária porque não estava num banco, mas sim no chão - para evitar os furtos, frutos das suas constantes escapadas da realidade deste mundo. Cada um destes, agora dois, mendigos permanecia no seu posto, e tinham-se respeito tal que o bicho não encarava Boné nos olhos quando se sabia observado, passando-se o mesmo na ordem inversa de ideias. E neste mutualismo surgido aparentemente por acaso, tudo se passava pacificamente, tão passivamente quanto antes, com apenas uma diferença de que Josué se aoercebeu a certa altura olhando o seu boné.
A sua conta em moedas crescia, amontoava, quase criava juros, ao ponto de até moedas mais cintilantes e valiosas se notarem no meio de um monte de outras mais modestas. O coração do sem-abrigo palpitou, pulsou forte algumas vezes. Já se ia esquecendo de comer há muitas horas, mas lembrava-se que padecia de séria fome. E ali lhe surgiu uma mina, um almoço como há muito não havia. Acorreu ao dinheiro, e de imediato o cão se ergueu num pulo, ficando no entanto espectante, olhando ora aqui ora ali, como que atento e de guarda. As pessoas que passavam pensavam que aquela pobre alma tinha finalmente arranjado, pelo menos, uma companhia, um cão. Boné ia pensando: "Este cão fez-se meu dono e mestre."
E assim parecia ser: o cão nada lhe pedia mas depressa o começou a ensinar. Refilava se alguém se aproximava de modo suspeito do boné, rosnando ameaçadoramente. Aparecia simpátivo ao resto das pessoas. Começou a ladrar, para grande espanto inicial de Boné, quando notava que já habia suficiente no boné para que se fosse comprar comido. Por vezes, desaparecia para aparecer daí a momentos com uma moeda que, com o ar mais natural deste mundo, depositava no boné, lambia o focinho duas ou três vezes e tornava a deitar-se. Mais que tudo, este cão que sabia contar e farejar dinheiro, deu umas novas pernas ao seu dono adoptado, ensinou o humano a erguer-se nelas, e este já passava mais tempo acordado e vertical, e já se afastava vários metros do boné por largos minutos, até dando-se ao luxo de comprar o pão em sítios diferentes de cada vez. O cão permanecia nessas alturas junto ao boné, mendigando aos humanos. E, de tudo o que caía no boné, recebia metade, em alimento.
Porém, das vezes seguintes em que se preparava para encarar e deuxar passar novo dia, além de uma imensidão de calçada suja e povoada de pés de pessoas, reparou que estava sempre acompanhado pela criatura dócil, calma, o cachorro que de dia para dia crescia nem ele sabia como, se nem para ele próprio arranjava o suficiente que comer, como estaria aquele cão, de pelo negro, fosco, cão de rua, com um aspecto tão saudável? O certo é que velozmente o cão ia atingindo um bom tamanho, e o seu poiso predilecto, onde estava constantemente deitado, era ao lado do boné do Boné. Tanto assim era que Boné já quase não ia ao boné retirar a grande parte que houvesse da sua conta - que não era bancária porque não estava num banco, mas sim no chão - para evitar os furtos, frutos das suas constantes escapadas da realidade deste mundo. Cada um destes, agora dois, mendigos permanecia no seu posto, e tinham-se respeito tal que o bicho não encarava Boné nos olhos quando se sabia observado, passando-se o mesmo na ordem inversa de ideias. E neste mutualismo surgido aparentemente por acaso, tudo se passava pacificamente, tão passivamente quanto antes, com apenas uma diferença de que Josué se aoercebeu a certa altura olhando o seu boné.
A sua conta em moedas crescia, amontoava, quase criava juros, ao ponto de até moedas mais cintilantes e valiosas se notarem no meio de um monte de outras mais modestas. O coração do sem-abrigo palpitou, pulsou forte algumas vezes. Já se ia esquecendo de comer há muitas horas, mas lembrava-se que padecia de séria fome. E ali lhe surgiu uma mina, um almoço como há muito não havia. Acorreu ao dinheiro, e de imediato o cão se ergueu num pulo, ficando no entanto espectante, olhando ora aqui ora ali, como que atento e de guarda. As pessoas que passavam pensavam que aquela pobre alma tinha finalmente arranjado, pelo menos, uma companhia, um cão. Boné ia pensando: "Este cão fez-se meu dono e mestre."
E assim parecia ser: o cão nada lhe pedia mas depressa o começou a ensinar. Refilava se alguém se aproximava de modo suspeito do boné, rosnando ameaçadoramente. Aparecia simpátivo ao resto das pessoas. Começou a ladrar, para grande espanto inicial de Boné, quando notava que já habia suficiente no boné para que se fosse comprar comido. Por vezes, desaparecia para aparecer daí a momentos com uma moeda que, com o ar mais natural deste mundo, depositava no boné, lambia o focinho duas ou três vezes e tornava a deitar-se. Mais que tudo, este cão que sabia contar e farejar dinheiro, deu umas novas pernas ao seu dono adoptado, ensinou o humano a erguer-se nelas, e este já passava mais tempo acordado e vertical, e já se afastava vários metros do boné por largos minutos, até dando-se ao luxo de comprar o pão em sítios diferentes de cada vez. O cão permanecia nessas alturas junto ao boné, mendigando aos humanos. E, de tudo o que caía no boné, recebia metade, em alimento.