sexta-feira, 24 de março de 2006

27 de Março... e que Baco olhe por nós!

“Como se de um lado estivesse a cultura e do outro a vida; e como se a verdadeira cultura não fosse um meio refinado de compreender e exercer a vida. No ponto de desgaste a que chegou a nossa sensibilidade, certamente precisamos antes de mais nada, de um teatro que nos desperte: nervos e coração. Não se separa o corpo do espírito, nem os sentidos da inteligência”. Antonin Artaud

quinta-feira, 23 de março de 2006

Sala comum

Hoje, tudo o que se passa é-me de alguma forma alheio. Estas caneta e folha de papel são o único foco da minha atenção mundana, e o que me rodeia revestiu-se de uma dinâmica que pareço desconhecer por completo, subitamente. Sinto que há pessoas, que passam, se deslocam. Estão vagas. Sinto tanto viajarem pessoas à minha volta quanto vontades humanas, desejos, impaciências, sedes, . . . Estou de tal modo que sinto com mais força quanto menos compreendo. Se visto roupa, penso que não me basta. Mas basta-me, não sei o que visto. E encontro-me, então, sozinho no meu espaço mental com mais umas quantas dezenas de indivíduos que usam o meu nome, a minha cara, as minhas posses - supostas posses - , os meus direitos, a minha solidariedade. . . Mas não são eu. Provam e existem apenas para comprovar que nem eu sou eu. A não ser que eu seja aquele que todos na sala vêem segurar esta caneta agora. Mas esse lugar disputam-no os seres da minha mente, revezam-se, brincam com ele. Desfiguram-me até haver o mundo, uma linha, e eu do outro lado, perplexo. Espectador privilegiado do que pensava que não era. Mas se tudo aquilo que não sou, penso e faço, então e porque é provável que o seja.
Estes seres espelhos do não que sou têm medo de mim. Expulsam-me, esfregam-me os olhos, e já começo a esquecer, a sentir o meu corpo, o meu dia, o que almejo e devo procurar, e vou erguer-me para junto do mundo. Conheço-os melhor do que sabem. E já volto aqui. . .

quarta-feira, 22 de março de 2006

Buscando no vácuo

O escuro torna as coisas encolhidas e as distâncias maiores. Sinto que quando não estou a olhar, e a escuridão é absurdamente total, tudo o resto que não eu está a uma boas léguas além do meu alcance. É como se a luz fosse um veículo de vitalidade, uma teia pegajosa entre mim e o que conheço na sua forma mais alegre. No escuro, as ideias bonitas encontram meio de chegar umas às outras, encontram harmoniosamente o seu lugar na rede conceptual de uma manta de retalhos da vida que me faz a mim. Mas as imagens bonitas dispersam, desligam, afastam-se; as ideias perdem a forma. Como resultado, fico a saber concretamente que está escuro, que a minha esfera está de costas para a luz. E quando os objectos se esvaem para essa negritude, passam a obedecer à dinâmica da noite, trocam constantemente de lugar entre si, desaparecem, ressurgem noutro país, personificam-se, amaldiçoam-nos, atolam-nos o juízo, embrulhando-se num sonho; apenas para quando são de novo banhados de luz troçarem da nossa existência, estando exactamente no mesmo lugar. E das melhores sensações do dia é abrir os olhos, depois de já me ter esquecido que os tinha fechado.

segunda-feira, 20 de março de 2006

In-pouring

It seemed very simple to comply, very simple to get it over and on with. Though it feels like a bursting bulb of dirt, filling the chest, trapping the blood. Today I woke breathless, unbreathing being, unrested soul. Soon to be healed, soon to be battered, when again did I hope to be enough? But then. . . What is it that it is so big and unreachable? I forgot I'd realized better, I'd figured it all out. Or didn't I? Was I dreaming?, I probably was. But that once didn't matter, the number of times I sort all of this out is incredible. And I become young, ready to crash out of sorts. Time and again. I really won't forget anew my way back to basic reality, I mustn't forget that I can actually be the veins in the back of my hand. And I must not drift alone.

quinta-feira, 16 de março de 2006

No parapeito

No parapeito da janela do meu quarto havia uma poça de água, todos os dias, mesmo os mais solarengos, a poça estava ali refugiada do frio. Á noite, estava debruçada na janela a ver a rua, o ar estava quente, e as pessoas passeavam alegres, quando senti um frio no meu braço olhei e vi que a manga do meu vestido estava molhada. Quando levantei o braço vi que a poça de água tinha molhado o meu vestido azul. Olhei para ela e vi o céu, uma estrela brilhava muito, ela desfocada na água sorria para mim. Olhei rapidamente para o céu, lá o meu olhar era mais nítido. Ela estava agitada, queria dizer-me algo, pôs-se então a mexer-se rapidamente pelo manto escuro da noite. Num jogo irrequieto ela escondia-se e aparecia prendendo assim a minha atenção. Arrancou de mim um sorriso e nessa altura aproximou-se de uma forma que eu nunca imaginara possível, tentei tocar-lhe tomada por uma curiosidade infinita, mas ela era trespassável ao meu toque. Parada enfrente a mim ela disse-me que à muito tempo que me acompanhava, era ela que fazia o espelho da minha alma criando aquela poça… ele desvendara-lhe tudo. Nesse dia sequei a poça assustada, e todos os restantes, mas ela insistia suplicante em aparecer, não queria que estrela nenhuma soubesse de nada sobre mim. Um dia, espreitei para o parapeito e vi que a poça nunca mais nascera, senti-me só, vi que naquele momento a água deslizara talvez para outro caminho, um caminho menos seco, áspero e que cede a qualquer momento aos medos das intempéries.
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