quinta-feira, 28 de julho de 2005

Ecoar

Ao passar do tempo, oiço as palavras que me perfuram o silêncio tumular. Palavras audíveis com que rasgo as convenções e maltrato o bom senso. Com elas travo esta impaciência insana que ganhava voz dentro de mim, vou prendendo o pensamento louco, os pensamentos medonhos e desgovernados, tomo-os nas rédeas sintáticas e acondiciono-me nos estribos verbais. Desta forma, dou razão às acerbas vozes que choveram durante a noite, e pinto de ouro os meus obstáculos. Afago e afasto-me dos meus ídolos e idolatrias, tudo isto respeitando a minha vontade caprichosa de posicionar os dentes, lábios e língua de maneira a reproduzir a minha alma. Assim é melhor, tudo é mais fácil quando há alguém que culpar. Arranjei vistas para o mundo inteiro visto das minhas costas, assinei uma reclamação só para alguém a digerir desafiadoramente, e fiz vistas largas, que cultivar o mal não é para mim, sou mero praticante. E quereria trazer gente comigo. . . Sou uma criança em balancé, ora berro do alto, ora berro do baixo, o que há é que berrar, nem me oiço de outra forma. Esqueci-me de querer bem aos que bem me querem, quis ser livre, e tive apenas a triste ideia de ser eu.

sábado, 23 de julho de 2005

Jornada

O que sentes quando olhas para lá de tudo o que é inalcançável? O que fazes com o poder do olhar e a vibração do teu corpo? Danças sobre o chão com uma melancolia matinal sonante e calma, sinto-te para lá da existência…
A tua espinha dorsal é recta e o teu sorriso firme, os teus pés movem-se com instinto e fidalguia, enquanto as tuas mãos bucolicamente buscam a harmonia. Porquê essa jornada rectilínea, esse querer tão vincado, essa vontade de chegar e nada dizer? Todo o teu fim será vincado de face branca sobre o azul cortado dos que vislumbraram o seu início…

quinta-feira, 21 de julho de 2005

Primeiro dia, First day, Première jour = 1º

É manhã, existem panos, fachas coloridas, caixinhas espalhadas pelo chão, potes típicos com água, pétalas de rosas e velas acesas sobre um pano que abre a imaginação ao oriente. Calor, invocações, memórias, olhos cerrados ao pensamento, apenas o dedilhar de guitarras portuguesas e o vento agradável a bater-nos na cara.
Meio dia, e ao levantar-me fechei-a e trouxe-a comigo sob este calor imenso!

domingo, 17 de julho de 2005

Nostalgia do Amor

A rotina de um bom português que se levanta no seu único dia de descanso, Domingo, bem cedo, compra o jornal e sai para tomar o seu primeiro e longo café do dia numa esplanada bem junto da sua casa; não vá apanhar algum ar nefasto à sua saúde, existe por falta de um bom par de pernas.
Deitarmo-nos na cama e sentir um par de pernas, cabeludas ou imberbes, consoante os gostos é de facto o nosso prémio de consolação por existirmos com tantos defeitos e mau humor. Pior do que um mau humor é um mau amor!
Adormecemos com o maxilar pendurado resmungando umas palavras balbuciadas pelos lábios quase inertes, e acordamos com uma sensação terrível de que o mundo inteiro está em cima de nós a cobrar-nos as ofensas.
Com um mau amor nós, enquanto não sentimos o odor dos maus hábitos, vivemos preenchidos de alguma maneira, nem que seja à maneira antiga. Depois descobrimos o amor com a sua essência venenosa e passamos o tempo entretidos a dizer mal dele, mas agora dedicados a um único elemento, vasculhamos as mais variadas artimanhas para lidar com ele. Por último temos insónias, não conseguimos comer, não temos forças para dizer mal do mundo; e entramos num processo de auto-mutilação psicológica, mas terminou tudo. Terminou tudo, terminou o cheio e começa o vazio, a nostalgia... resta-nos o amor! Ele, feito e sentido, ele, nu e cru, o amor.

sábado, 16 de julho de 2005

Castelos na areia

Eu, apenas por ser para ti e por ti, não tolero!
Não faças as águas desfazerem os meus castelos de areia antes destes solidificarem. Vão haver sempre buracos e eu preciso de respirar, preciso de limpar a casa e tirar todos os seres impertinentes de lá. Mato-os, é uma busca incessante, uma minuciosidade constante, eles ainda persistem...
Não me faças parar para pensar nisto, não me traves para sentir algo de forma racional, deixa-me organizar e dizer assim que a avalanche de palavras começar a chegar.
Por ora, vejo o mar calmo e as minhocas nas suas casas; e ao meu lado uma menina de olhos púrpura a fazer castelos na areia e a sorrir para mim!

quinta-feira, 14 de julho de 2005

Joker

Um dia criei uma piada infeliz. Sem querer, contei-a a um tipo que passava. . .ele gostou. Não parou de rir. Chamou os outros, e eles vieram. Perguntaram o que se passava e ele apontou para mim. Não tive outra opção senão contar de novo a minha piada. O primeiro já chorava de tanto riso. . .os outros imitaram-no. Pegaram em mim e fui carregado. . .levaram-me a ver os que restavam. Deram-me um megafone e eu gritei através dele. Todos ouviram, e não houve uma alma que não se tivesse rido. Vieram bater-me nas costas e perguntar-me como tinha tido eu aquela ideia. Não me deixaram responder antes de virarem as costas. Começaram a correr muito rápido em todas as direcções. Quando passam por mim, riem-se. E hoje eu sou aquela piada. . .Uma piada infeliz.

Destino

Gosto de ir
Para a origem dos outros,
Sentir que nos sítios
Existe algo de mim.
Um sorriso, ou abraço,
Uma memória de embaraço,
Uma piada contada breve,
Uma pequena ideia que li.

Vejo-me onde estou
Mas mais naqueles sítios
Onde por um certo momento
Me senti alguém liberto.
Mas se isso é certo,
Também o é o oposto.
Porque o certo só serve aos certos.

Doutro modo estaria errado.

quarta-feira, 13 de julho de 2005

Morte soalheira

Carrego-me com esta pele macilenta e dura. Já não há resquícios de juventude e só brota o cansaço da solidão vencida, agora, pelo desejo da morte. No entanto, e apesar de tudo, o sorriso nasce feliz e soalheiro todas as eternas manhãs, sobre a igual cama moída dos mesmos gestos.
Descubro-me todos os dias diferente, e em todos os minutos conservo essa diferença que é singular por si só e vulgar em comunhão com as outras. Antes havia um sentido para tudo isto porque noutros tempos existiam gentes, brotavam as ervas no meu jardim, a vontade e a ansiedade eram fustigantes. Agora, partindo de alguns anos para cá, existem os hábitos sadios, as vontades indolentes, a dor no esqueleto da alma e o cumprimento eterno a todos os que ficam.
Feliz é porque a morte chegou para me libertar da vida!

terça-feira, 12 de julho de 2005

Ressalto

E, meditabundo, afasto-me do mundo envolvente para esvaziar-me de tudo. Os assuntos e perspectivas que admiro persistem infamemente ligados ao lixo dos sentimentos humanos, que toma forma em mim mais firmemente do que quero. Então, venho circundar-me de mar, afogar-me entre as rochas e repousar no seu quente para sentir as minhas mais verdadeiras necessidades. Um grande mistério para mim, maior do que o que é necessário que eu faça, é o que sinceramente é necessário ou fundamental que seja feito independentemente de tudo o resto que me rodeia. Um suspiro a mais, um bruto ressentimento ou um exagerado e oculto desassossego notam-se mais nítidos no contemplar da água límpida e suavemente revolta. O marulhar, a maresia, o horizonte brilhante, o sal da vida, e o traseiro achatado são a pureza que me invande nuns poucos segundos de falta de lucidez. Avassala-me de pronto a civilização, mas regresso inexplicavelmente sorridente e de confiança intacta, convencido de que sei para onde vou. Aprendo-me.





segunda-feira, 11 de julho de 2005

Traço cubista

Vejo um traço cubista na cara dos que ficam lesados pelo terrorismo. As caras dilaceradas e escoriadas em milhares de figuras geométricas com o sal das lágrimas a limpar à sua passagem o sangue horrorizado dos olhares.
Vejo expressões cubizantes dos que se sentam e planeiam um plano bem circular de como hão de manipular os outros; são tudo círculos, vícios, gargalhadas, pastilhas e massas... são todos uma questão de traços!

sábado, 9 de julho de 2005

O essencial

Vivo muito tempo sem a luz sobre mim e sem o chão do palco!
Sabia que era trabalhoso, mas não penoso, sabia que existem problemas, mas não falsas moratórias, e constantemente vejo os sorrisos filtrados através de uma teia de intenções dúbias e não clarividentes.
Talvez tenha sido abandonada pelo génio do teatro. Passei a ser uma artista comum, sem ânimo e vencida pela frustração, não dos palcos mas das gentes que os frequentam.
As regras ferozes pelas quais os homens se escudam e atacam os demais, sendo mais tarde congratulados pelos seus feitos, dói-me mais do que doze horas de ensaios técnicos. O ambiente é tão abafado como os cem projectores apontados para mim num dia de verão!
Contudo, não me perco da essência fundamental deste punhal que me sangra e ama sobre o mesmo pano preto pousado em cima de um pedaço de madeira.

quarta-feira, 6 de julho de 2005

Ilustre bucólico

Uma pessoa dissolve-se realmente na cidade do rio salgado. E a realidade aqui é esforçada, uma natureza e um povo a lutarem lado a lado. Aqui, a sabedoria é maresia, e nunca palpável. Sem a privacidade, automaticamente associamo-nos a estas gentes e a estes viveres. Nos carris, na pedra, no asfalto, há marcas das lágrimas, do frio, dos gritos de parto. Cada um por si vive a sofreguidão, mas enfrentando este céu aberto nas ruelas mais ou menos íngremes, tudo passa a ser possível, e vive-se um Porto romântico, de pessoas.

sexta-feira, 1 de julho de 2005

Amanhã

Amanhã conto-te o porquê do meu sorriso, e como as flores se abrem à minha passagem.
O sol, esse, nasce todos os dias na minha alma apesar do tempo estar enublado cá fora. Como diz um homem vulgar, porque a vulgaridade marca pela ausência das luzes no olhar, e os pés num palco: “Amanhã digo-te que as rosas não fazem chorar, dói tanto sentir a vida e não a podermos adiar…” E mesmo assim foi feliz, digo-vos que tive o prazer de o conhecer... mas conhecer nem sempre é lembrar, é recordar!
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