sexta-feira, 29 de abril de 2005

Ecolalia

Parece-me que hoje não chego a tempo a coisa alguma nem de alguma coisa. Nada pior que ser uma bomba relógio que o leva atrasado. Atrasado mas bem carregado, sinto que cada palavra que me lembro de dizer fere depois mesmo de não ter importância nenhuma. É tudo uma grande locomotiva de letras e vozes instável quando livre de túneis escuros, compridos e secos. Quem disse que o que não existe faz imenso sentido teve uma tremenda ideia, evidente quando me atiro num desabafo inumano enquanto é triste. E pensá-lo faz cócegas, agarro-me a um olhar doce para através de mim. Mas que sensação apaziguadora, uma lembrança de fragilidade tingida de abraços, poucos. Não sei o que era mesmo que eu queria dizer de cansaço, estou certo de que não era legítimo. Era interessante. Nem imagino o que se tem de aturar por não ser eu [e em simultâneo ter de me ser], mas gosto de imaginar o sossego na inquietude, e que a chávena é de chocolate quente. . .

Um copo de leite e um panado por favor!

Puxa como eu hoje me sinto desconfortável, é daqueles dias em que me sinto feia… existe alguém por aqui que me possa fazer sentir bonita? Sim o senhor, parece-me que o seu olhar me traz uma certa harmonia, mas ali vejo que retiro uma melodia embriagante, o que não será mau de todo, uma pitada de loucura só faz bem. Não, não posso andar entre os altos e baixos, mas este senhor tem um olhar verdadeiramente encantador, depois parece ser sóbrio, e um homem sóbrio vale por dois homens loucos, pois estes não tem seriedade nem na sua loucura. Sinto alguém a tocar-me na mão, um toque sedoso, inesperado, que baralhada estou, a surpresa inquieta-me.
Como é possível eu já estar em sua casa, mais precisamente no seu sofá? Estou gelada, terminou a surpresa e começou o combate face a face. A violência da sua cara diante da minha, a agressividade da razão com que me beija, a resistência dolorosa que os nervos fazem; por favor façam parar este homem porque o meu querer é tanto que me impele a fugir e a ficar ao mesmo tempo. Tenho a nítida impressão que maltratava quem me tirasse dali e que culpava quem me deixasse ficar. Porque é que não me falta o ar, ou mesmo sinto o coração acelerar? Não posso ser eu que me esteja a despir, não posso ser eu que faça algo que revele tão rapidamente os meus desejos mais profundos… o toque desta mão é maravilhosa, veias dilatadas, pele quente e macia, este aperto de mãos!
Aquele homem é realmente delirante mas tenho de pagar esta conta, deixa-me beber o leite e terminar o meu panado, depois tenho de ir para casa trabalhar…

sexta-feira, 22 de abril de 2005

Salam, Islam!

É algo de infinito, supremo, algo que me leva para muito longe… as minhas narinas incham e os olhos abrem-se como vislumbrando imagens que a mente produz. Não fecho os olhos para as percepcionar, melhor, antes abro o meu espírito para que as sensações me invadam. Qualquer palmeira, todo o céu azul limpo de impurezas, a noite feita de ar quente e as luzes da vida retiram-me para a viagem mais maravilhosa e cheia que alguma vez tivera até aos meus momentos presentes. O dia sem dúvida era miraculoso com a sua aurora cor de fogo a irromper pelo fel do deserto, a meio dia de caminho chegava a sufocar e a humidade era desoladora. A noite; essa era alucinantemente lúcida, ainda hoje a sinto… sentada vejo o sol quente que se põe cansado de mais um dia de suspensão para nos iluminar; agora vêm-se as pessoas, lenços, risos, carros, é puramente natural. Podia ficar ali a vida toda, a admirar aquilo que não me pertence e no entanto é meu por direito, aquilo que não faz parte do meu sangue no entanto faz parte de mim, tudo aquilo que por oculto e discreto me fascina. Queria ficar as noites para sentir aquilo, para respirar aquilo, para ouvir o som de outra terra, longe de tudo o que é repetido, igual, e que perdeu o brilho. Por que é que perdeu o brilho? Que motivo tão forte me levou para longe? No entanto, aqui nesse igual repetido eu sinto e vejo aquilo que me vem alegrar e encher os dias de sonho. Será o primeiro contacto, puro deslumbramento? Será apenas aquilo ou tudo aquilo que abrange? Vou esperar para ver e descobrir… até lá que os véus me cubram!

Os dias em que os minutos se transformam em anos. . .

Os olhos cerram-se vislumbrando a forte sensação. A boca deixa escorrer sons melodiosos e dá-se um reboliço na pele. O despertar dá-se ao toque dos lábios e a revolução imagina-se aos passar das mãos. Cai o pescoço como um objecto solto e os cabelos correm pelas costas cobrindo-as, as mãos pairam silenciosamente pela pele e ouvem-se os ruídos surdos do pensamento. Abrem-se as mãos num gemido rápido e violento e fecha-se para sempre a mente, sem surgir qualquer pensamento. De repente suspende-se a multidão e ouvem-se os ruídos internos, vêm-se passear pessoas pelas estradas desertas, acendem-se luzes no meio da luminosidade e sente-se o medo à beira da felicidade.

sábado, 16 de abril de 2005

Fúria

O amor não mata... mas porquê essa submissão? Entrega-te a ele no momento mas não te dês por completo enquanto vives a situação. Porquê essa vontade em ferires-te? De que razão tão forte precisas? Afinal tu é que precisas que te dêem razão para isso, para fazer crescer esse sentimento de rejeição, mais e mais para que possas justificar a tua loucura. Será que devo dar-te essa lição? Será que mereces que eu suje as minhas mãos entrando num jogo tão tortuoso? Eu amo-te, deverias usar isso na tua cura, talvez não uses o meu amor mas o amor por si só… deixa-te tocar, não no corpo mas no interior. Ficas aí gelada, não te deixas penetrar, isso não se deve fazer sentir, queres que joguem apenas com as tuas regras; deves terminar de vez. Utiliza aquilo que puderes mas deixa-te amar, abre tudo e deita as chaves fora, aconteça o que acontecer mudas de casa!

sexta-feira, 15 de abril de 2005

Verde sobre vermelho

Será que consigo definir uma coisa que mal tem um motivo e que aparece como ajuda a algum diálogo? A intumescência reside em nós, nós somos filhos do inexpugnável sorriso dos outros… os silêncios esses são como chuva a cair, abafam o vazio, causam barulho. A rosa cor de amor fraternal de pétalas suaves é oferecida por um homem perdido na amargura e sustentado pela esperança – ele quer é o seu posto de volta!
Fala perdido no álcool mas a lucidez é elevada pelo desejo de diálogo. Não estava assustada, estava perplexa, a observação tomou conta de mim, e pela primeira vez eu senti-me a observadora atenta. Toda a rosa tinha um carácter híbrido, isto podia ter acontecido em qualquer outro lugar do mundo, a mensagem é simplesmente a mesma. Digo-te que enquanto batia com a suave rosa nos meus lábios o meu pensamento dominou-me e diante de ti vias uma apóstata. Vias, ou pelo menos poderias ver um pensamento cheio que não conseguiu exprimir uma única palavra decente, fui dominada pela perversão, desculpa! Não torna a acontecer. Agora com os olhos pesados e a cama fria eu deito-me tendo a certeza que toda esta concomitância é teatral.

quinta-feira, 14 de abril de 2005

Inspiração

Há alturas em que sinto que seguro toda a estatística entre mãos. Que grande raiva, grandes palavras e grandes ideias invadidas por desejos secretos que nunca sequer conheci! Há vezes em que parece que, por mais que me mexa, não consigo ser suficientemente claro. E parecem todos estar mais ou menos perdidos, mais ou menos alegres. Todos riem a conta certa, todos falam a conta certa, todos lutam a conta certa; amam a conta certa, mandam e dormem a conta certa, choram a conta certa, rezam a conta certa, e pagam a conta certa. E parece-me que qualquer coisa, considerada de perto o bastante, bem vistas as coisas, é a imagem mais bela deste Universo em cada momento. E depois distraio-me, e vem música. E começo a aperceber-me de harmonias vindas de todas as perspectivas. E vem um comboio que dança. Espirais de escadas crescendo com Adagios de portas a abrir e a fechar e a baterem com força. Sinto um desejo honesto de chegar a qualquer parte sem conseguir fechar-me a tudo o que penetra avassaladoramente a minha mente. É muita coisa e habitualmente sobra nada.

Luz/Sem Luz

"Meia-lua escura
na unha é anel
de musa, ao céu
é ranhura de luz
no sexo marca difusa
vala ventosa que suga
com ar rarefeito

Palma acidental só vulto
varia vertente convulsa
versátil em ondas em outra
de uma estrela
ausente veluda
o rastro de pontas."

De Janice Caiafa

quarta-feira, 13 de abril de 2005

Todo o propósito

Digo o que seria de esperar, aquilo que estava latente em ti e manifesto em mim, tu sempre soubeste que tudo não passava de algo efémero e fugaz. Tão fugaz como o vento que te toca na cara numa pequena brisa matinal e tão doloroso como a água que não se sente chegar ao estômago para saciar a tua sede. Acredita que é meramente psicológico!
Isto é apenas um registo à posteriori daquilo que se projectou e que agora se assiste, mas até esse registo é falível porque tudo pode acontecer de novo e de novo podendo apresentar-se de maneiras diversas. Apenas tu e eu, talvez um dia saibas a que me refiro. Não julgues nada sobre isto, fica-te com a memória de um querer que banha a todos e não exclui ninguém pela sua razão mas pelo seu propósito.

sábado, 9 de abril de 2005

Tudo o que eu posso fazer é ficar aqui sentada a olhar-te.
A que queres que responda? Previno que não respondo a devaneios vindos de uma mente infeliz. Trata de falar como nunca falaste e cuida bem dos teus gestos, eles são precisos. Agora que estamos aqui sentados e eu tenho o privilégio de te observar neste silêncio digo-te que a tua ausência acerta perfeitamente com este vazio. Não sei tornas-te mais tu, menos social e mais humano, mais próximo. Deixa-me tocar-te, não no teu corpo, isso é pura ilusão… deixa-me apertar o saco que contem o líquido vital, deixa-me observar a pura biologia, o ícone abandonado pela modernidade! Consegues vê-lo mexer-se? Ele ouve-te desde o início, ele vigia-te, ele sente-te; está ferido, gretado, moribundo. Escuta, ele está a parar, está a abandonar-te… tens uma hora para decidir se o queres de novo!


Dedico-te

Mexes na terra, brincas às obras megalómanas escavadas com pás especiais apontadas meticulosamente em tinta de filtro.
Estás sentado na poltrona viajando pelo mundo dando um toque especialmente engenhoso a tudo o que vês. Navegas entre o lamaçal e o verde agreste do teu espírito, e assim ficas parado a ver tudo o que passou e a captar o que corre.
Uma vida de traçados largos e riscos finos e saboreados entre o grotesco da mensagem e o borrado da tinta num papel sempre reciclado e apesar de tudo aparentemente imaculado. Tudo te escorre pelo sangue até ao lago da imaginação e ali fica a fermentar para dar os frutos azedos cobertos de doce. Evocas o espaço e constróis o ninho, pões tudo a teu jeito como a toupeira que cava até encontrar o espaço húmido e quente para poder proliferar.
Tu proliferas os teus fantasmas reais, escuta-os e dás alimento ao que vagueia em teu redor. Mesmo parado estás em constante movimento, em movimento encontras-te em plena vertigem, a pensar mergulhas no oceano e fazes parte dele fundindo-te com a imensidão azul. Só o sol te aquece, e não qualquer um, o teu sol, apenas esse, aquele que pintas e enformas; só a terra te recebe, e não uma qualquer, mas aquela que levanta humidade quando passas; só o tempo voa, não um tempo qualquer mas o tempo que faz correr as páginas do teu calendário mental.
De repente decides o que fazes, hoje apetece-te pensar e preparar para uma morte recente que cela circularmente a tua vida, amanhã decides tomar café e apanhar um comboio para uma vila qualquer onde ouves as gentes e tacteias os espíritos a teu lado. Nunca chega a ser como planeias mas sempre é como preparaste, planeias o que não acontece e preparas-te para o óbvio e prévio. Retorques à vida tudo aquilo que ela te proporcionou e esperas sempre não voltar ao ponto de partida.

quarta-feira, 6 de abril de 2005

Facilmente

Tomo cada frase por única e tento não confundir o seu significado com o que as palavras querem dizer. De vez em quando, apetece-me brincar às legitimidades. É uma questão de tempo até poder justificar a fome e as pestes, e até a minha coragem. Só não consigo dormir.

Brilho

Uma das nossas grandes felicidades é que o tempo nunca acaba. É nossa culpa, isso, ainda bem. Ainda me recordo vividamente de quando atravessava aquela noite avenida de espírito magoado. Destroçado, avançava os passos como se estivesse a derrubar as muralhas de Alexandre Magno a cada estreitar dos olhos tristes. O aparelho de rádio fazia-me chegar os ruídos de multidão extasiada, fulgor esse que me ia aquecendo os irónicos e poucos esgares. Nessa noite, eu reparava nos pormenores, ávido de bestas e flechas flamejantes que me chegassem às mãos pelo coração. Tudo era nítido sem se distinguir o negro do resto. Um negro de vida nunca antes visto, fazendo o tempo repousar eternamente num momento celerado. Aquela batalha era demasiado fogo, mas eu soube que era a minha. Quem olhasse ver-me-ia, estou certo, a única mancha ardente no meio do escuro. Eu corria mais determinado que a imaginação, demorou até eu perceber de novo que é do dia que se faz noite e não vice-versa. As vozes levantavam-se e preenchiam-me os sentidos confusamente com a confusão que eu ansiava. Perfeito. Desejava cuspir barras de aço assassinas do que me apetecia que não respeitassem, desejava que todos me olhassem o vazio transparente do peito e que se empoleirassem numa montanha que eu sustentasse com as costas. Queria que vissem que era o mais forte a preparar poções de Merlin, feitiços de quebrantar oceanos, transportando o Molière e as pancadas a todas as ilhas inóspitas onde habitassem os sozinhos. Insisti para que todos me vissem roer e mastigar a democracia dos comparsas mais presumidos só para que houvesse desculpa de me enfrentar. Ousaria, com ventura, envergar todas as mágoas previstas das Sibilas, audácia que cumpriria até não haver mais que lamentar ou celebrar. Esmaguei as cinzas e lancei a Fénix lacrimejante.
Na minha noite, as limitações escolhi-as eu. Imaginários jarros de vinho transbordando impaciência e profecias de insultos de ogre, agarrei-os e deitei-os prédios acima, apressei-me no vento e fugi para onde precisavam de mim. Hoje é noite e vejo claramente. Apercebo-me de que o tempo não acaba nunca, que os sorrisos são eternos e que me apetece navegar para sempre, até chegar.

domingo, 3 de abril de 2005

Ser humano

Andei a reparar quando as pessoas repetem, no mesmo tom com que tinham falado, as coisas simples da vida. São vezes em que à terceira frase se diz o mesmo que na primeira como se isso não tivesse sido ouvido, independentemente de o ter sido ou não. Tem vezes em que acontece não pelas mesmas palavras, mas sempre pelo mesmo espírito de estar e participar. É isso que me parece absolutamente fascinante, o constatar que o espírito humano é capaz de prevalecer ao atravessar o tempo. Gosto que as pessoas tenham gosto tanto quanto gosto que sorriam - e o exemplo que dei é apenas uma pequena intuição desta tenacidade - porque o demais é sempre em quantidade que chegue. De alguma forma, é bom ver a luz e ter uma sensação do que é impreterível.

Seria

Não há muito tempo ainda que as memórias resplandeciam. Aconteceu o que acontece sempre, bendita sina. Houve uma bifurcação onde jazia um forte carvalho. Cada caminho fez poeira e ninguém sabe do outro. Lembro-me bem de quando me colei ao mapa da vida, e porque escolhi um sem estradas nem atalhos. E agora, alturas há em que nada se compara a esta sensação de revolta no peito e nó na garganta. E agora estou longe. Longe a celebrar os momentos em que me lembrava das alegrias e partilhas indeléveis.
Nada é esquecido, mas que restou para eu esquecer? Uma amálgama surda de berros e os gestos de não ficar. E uma perfeita página de erros apontados. Presta atenção e desculpa.
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